segunda-feira, 22 de abril de 2013

“Relações de Força” - Carlo Ginzburg

"Pensamos em criar um blog para dar mais visibilidade e suscitar discussões além dos nossos encontros semanais. Espero que possamos desenvolver nossas leituras e ajudarmos uns aos outros. Cada encontro terá um pequeno resumo postado aqui, um pequeno texto que nos mostre alguns pontos importantes que foram analisados nos nossos encontros"
(Carolina Abreu - Integrante do G.E.P.H.T.D)

Sendo assim, aqui vai um resumo feito pelo prof. Jailson sobre o encontro no qual foi discutido a introdução da obra de Carlo Ginzburg "Relações de Força".

Boa Leitura! 

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Em primeiro lugar, buscamos destacar algumas razões que levam o autor a escrever o texto. Para nós, parece claro que as preocupações de Ginzburg, destacadamente nos seus trabalhos mais recentes, se direcionam para uma ponderação e um questionamento do papel dos documentos e dos discursos no fazer do historiador. Em textos como “O queijo e os vermes” e “Mitos, emblemas e sinais”, por exemplo, o autor italiano reflete sobre pressupostos teórico-metodológicos que informam o ofício do historiador.

Na estrutura da Introdução de “Relações de Força”, Ginzburg optou por organizar seus argumentos em pequenos pontos (treze ao todo), que se comunicam entre si e que refletem sobre a relação entre “História, retórica e prova” pensando como esses elementos foram interpretados em momentos e realidades distintas, com exemplos e citações que vão desde a Antiguidade até o século XX.

Desses 13 pontos, destacamos os seguintes aspectos:

Primeiro Ponto- O autor lembra que, hoje, a relação entre a História e a Retórica esvaziou a necessidade da prova. Isso ocorre porque a Retórica parece ter assumido uma autonomia, em si, como campo de construção de sentidos. Para Ginzburg, essa visão da retórica apartada da prova precisa ser problematizada. Para ele, no passado, a Retórica necessitava da prova; caso contrário ela se esvaziaria, tornando-se um discurso sofístico, enganador.

Segundo Ponto- Essa primazia da retórica sobre a prova (e por vezes sobre a História) ameaça arrastar a reflexão histórica para um relativismo absoluto, no qual a dimensão narrativa se sobressai. Para o autor, essa não é uma questão apenas de teoria e metodologia da História, pois ela diz respeito à maneira como nós nos colocamos diante da questão do outro. Se o relativismo absoluto é válido, estamos obrigado a aceitar, sem questionar, tudo que vem do outro? “aceitar a existência de costumes e valores diversos dos nossos parece a muitos ato obrigatório; aceitá-los sempre e de qualquer jeito parece a alguns (entre os quais eu me incluo) intolerável” (p. 14)

Terceiro Ponto- Tomando uma reflexão de Nietzsche acerca da “Guerra do Peloponeso”, de Tucídides, Ginzburg retoma um argumento ateniense para justificar a invasão contra os Mélios. Segundo tal argumento: é justo que o mais forte prevaleça sobre o mais fraco. (“O justo nas discussões entre os homens só prevalece quando o interesse de ambos os lados são compatíveis”).
Quarto Ponto-Quando isso não ocorre, quer dizer, quando não há consenso, os mais fracos são dominados pelos mais fortes. Nesse sentido, embaçam-se as distinções entre justiça e poder, graças às artimanhas da Retórica. A retórica, portanto, distorce a justiça.

Quinto Ponto- Avançando a reflexão sobre a relação entre retórica e poder, retórica e justiça, Ginzburg vai buscar em Platão e Sócrates (Górgias) uma forma de questionar a validade da retórica em si: “Da retórica, dissera Sócrates no final de Górgias (527 a.C), ‘se deve sempre fazer uso visando a justiça, assim como de qualquer outra atividade’.” (    p.23). Então Ginzburg se aproxima ainda mais de Nietzsche para pensar seu texto “acerca da verdade e da mentira”. Nietzsche, que deixara esse texto incompleto e o abre em tom fabuloso, expunha suas críticas ao conhecimento e a pretensa sensação de centralidade/superioridade da humanidade. A questão lançada no texto é: “o que é então a verdade?”

Sexto Ponto- Para Nietzsche, a verdade se apresenta como uma convenção. “um exército móbil de metáforas e metonímias (...) reforçadas poética e retoricamente. As verdades são ilusões das quais se esqueceu a natureza evasiva” (p. 24-25). Então Nietzsche põe a verdade em relação direta coma linguagem (retórica e poética), argumento e beleza. Estilo, enfim.

Sétimo Ponto- Ginzburg retoma trechos do texto nietzscheano, cruzando com dados da sua biografia, marcada pela ascendência religiosa. Essa ascendência levara Nietzsche a pensar que a história responderia as grandes questões religiosas e filosóficas. Desencantado com os limites do pensar histórico, a linguagem, sua estrutura de significação, ganha destaque no pensamento nietzscheano como forma de validar o mundo, embora haja sempre os limites da “tradução”.

Oitavo Ponto- Por isso a exegese, seja ela espiritual ou literal, não ultrapassa os limites da linguagem. É preciso conhecer os tropos da linguagem para compreender as suas anfibologias (duplicidade de sentidos)
Nono Ponto- A duplicidade não se separa da dubiedade. O exemplo de Paul de Man, um crítico literário famoso por suas ideias desconstrucionistas e que, depois de sua morte, teve desvelada sua produção antissemita e colaboracionista serve como ponto de inflexão para Ginzburg questionar, novamente, o relativismo absoluto. De Man tinha razões para tentar fugir da sua própria história. Desconstruir a história e também desconstruir sua condição de sujeito.
Décimo Ponto- O ceticismo de Nietzsche é limitado. “Nietzsche postula tacitamente a existência de um mundo único dominado por uma luta implacável pela sobrevivência” (p. 37).

Décimo Primeiro Ponto- Os limites do relativismo são cognitivos e político-morais. Cognitivo porque anula a si mesmo. Político-moral porque aponta para uma “equidade” que, no fundo, torna-se uma recusa à responsabilidade que temos de assumir uma postura crítica e política diante do mundo.

Décimo Segundo Ponto- A Retórica caiu em descrédito no século XVIII (Ilustração) e assim continuou até o final do século XX. Agora retomada, ela parece dispensar sua própria história, negando sua relação com a prova. Nesse sentido, corre-se o risco de simplificar o sentido e a função do conhecimento, restringindo-o ao “exercício brutal do poder”. (p. 43). É preciso trazer a retórica não como um dado em si, um discurso que diz a si mesmo e aos outros. É preciso transformá-la, novamente, em objeto e instrumento da história. Aproximá-la do “trabalho concreto dos historiadores” (p.14, começo do texto).

Décimo Terceiro Ponto- Isso coloca a questão dos documentos, novamente, em evidência no trabalho do historiador. Sem as fontes, esvaziam-se os objetos e instrumentos da história. Para encerrar, vaticina Ginzburg expondo sua convicção na nulidade do relativismo absoluto diante da vida, da política e do conhecimento histórico: “as fontes não são nem janelas escancaras, como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os céticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos deformantes. A análise da distorção específica de qualquer fonte implica já um elemento construtivo. Mas a construção (...) não é incompatível com a prova; a projeção do desejo, sem o qual não há pesquisa, não é incompatível com os desmentidos infligidos pelo princípio de realidade. O conhecimento (mesmo o conhecimento histórico) é possível”. (p. 44-45)


GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 

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