(Carolina Abreu - Integrante do G.E.P.H.T.D)
Sendo assim, aqui vai um resumo feito pelo prof. Jailson sobre o encontro no qual foi discutido a introdução da obra de Carlo Ginzburg "Relações de Força".
Boa Leitura!
***
Em primeiro lugar, buscamos destacar algumas razões que levam o autor
a escrever o texto. Para nós, parece claro que as preocupações de Ginzburg,
destacadamente nos seus trabalhos mais recentes, se direcionam para uma
ponderação e um questionamento do papel dos documentos e dos discursos no fazer
do historiador. Em textos como “O queijo e os vermes” e “Mitos, emblemas e
sinais”, por exemplo, o autor italiano reflete sobre pressupostos
teórico-metodológicos que informam o ofício do historiador.
Na estrutura da Introdução de “Relações de Força”, Ginzburg optou por
organizar seus argumentos em pequenos pontos (treze ao todo), que se comunicam
entre si e que refletem sobre a relação entre “História, retórica e prova”
pensando como esses elementos foram interpretados em momentos e realidades
distintas, com exemplos e citações que vão desde a Antiguidade até o século XX.
Desses 13 pontos, destacamos os seguintes aspectos:
Primeiro Ponto- O autor
lembra que, hoje, a relação entre a História e a Retórica esvaziou a
necessidade da prova. Isso ocorre porque a Retórica parece ter assumido uma
autonomia, em si, como campo de construção de sentidos. Para Ginzburg, essa
visão da retórica apartada da prova precisa ser problematizada. Para ele, no
passado, a Retórica necessitava da prova; caso contrário ela se esvaziaria,
tornando-se um discurso sofístico, enganador.
Segundo Ponto- Essa
primazia da retórica sobre a prova (e por vezes sobre a História) ameaça arrastar
a reflexão histórica para um relativismo absoluto, no qual a dimensão narrativa
se sobressai. Para o autor, essa não é uma questão apenas de teoria e
metodologia da História, pois ela diz respeito à maneira como nós nos colocamos
diante da questão do outro. Se o relativismo absoluto é válido, estamos
obrigado a aceitar, sem questionar, tudo que vem do outro? “aceitar a existência de costumes e valores diversos dos nossos parece
a muitos ato obrigatório; aceitá-los sempre e de qualquer jeito parece a alguns
(entre os quais eu me incluo) intolerável” (p. 14)
Terceiro Ponto- Tomando uma
reflexão de Nietzsche acerca da “Guerra do Peloponeso”, de Tucídides, Ginzburg
retoma um argumento ateniense para justificar a invasão contra os Mélios.
Segundo tal argumento: é justo que o mais forte prevaleça sobre o mais fraco.
(“O justo nas discussões entre os homens só prevalece quando o interesse de
ambos os lados são compatíveis”).
Quarto Ponto-Quando isso
não ocorre, quer dizer, quando não há consenso, os mais fracos são dominados
pelos mais fortes. Nesse sentido, embaçam-se as distinções entre justiça e
poder, graças às artimanhas da Retórica. A retórica, portanto, distorce a
justiça.
Quinto Ponto- Avançando a
reflexão sobre a relação entre retórica e poder, retórica e justiça, Ginzburg
vai buscar em Platão e Sócrates (Górgias) uma forma de questionar a validade da
retórica em si: “Da retórica, dissera
Sócrates no final de Górgias (527 a.C), ‘se deve sempre fazer uso visando a
justiça, assim como de qualquer outra atividade’.” ( p.23). Então Ginzburg se aproxima ainda mais de Nietzsche para
pensar seu texto “acerca da verdade e da
mentira”. Nietzsche, que deixara esse texto incompleto e o abre em tom
fabuloso, expunha suas críticas ao conhecimento e a pretensa sensação de
centralidade/superioridade da humanidade. A questão lançada no texto é: “o que
é então a verdade?”
Sexto Ponto- Para
Nietzsche, a verdade se apresenta como uma convenção. “um exército móbil de metáforas e metonímias (...) reforçadas poética e
retoricamente. As verdades são ilusões das quais se esqueceu a natureza
evasiva” (p. 24-25). Então Nietzsche põe a verdade em relação direta coma
linguagem (retórica e poética), argumento e beleza. Estilo, enfim.
Sétimo Ponto- Ginzburg
retoma trechos do texto nietzscheano, cruzando com dados da sua biografia,
marcada pela ascendência religiosa. Essa ascendência levara Nietzsche a pensar
que a história responderia as grandes questões religiosas e filosóficas.
Desencantado com os limites do pensar histórico, a linguagem, sua estrutura de
significação, ganha destaque no pensamento nietzscheano como forma de validar o
mundo, embora haja sempre os limites da “tradução”.
Oitavo Ponto- Por isso a
exegese, seja ela espiritual ou literal, não ultrapassa os limites da
linguagem. É preciso conhecer os tropos da linguagem para compreender as suas
anfibologias (duplicidade de sentidos)
Nono Ponto- A duplicidade
não se separa da dubiedade. O exemplo de Paul de Man, um crítico literário
famoso por suas ideias desconstrucionistas e que, depois de sua morte, teve
desvelada sua produção antissemita e colaboracionista serve como ponto de
inflexão para Ginzburg questionar, novamente, o relativismo absoluto. De Man
tinha razões para tentar fugir da sua própria história. Desconstruir a história
e também desconstruir sua condição de sujeito.
Décimo Ponto- O ceticismo
de Nietzsche é limitado. “Nietzsche
postula tacitamente a existência de um mundo único dominado por uma luta
implacável pela sobrevivência” (p. 37).
Décimo Primeiro Ponto- Os
limites do relativismo são cognitivos e político-morais. Cognitivo porque anula
a si mesmo. Político-moral porque aponta para uma “equidade” que, no fundo,
torna-se uma recusa à responsabilidade que temos de assumir uma postura crítica
e política diante do mundo.
Décimo Segundo Ponto- A Retórica caiu em descrédito no século
XVIII (Ilustração) e assim continuou até o final do século XX. Agora retomada,
ela parece dispensar sua própria história, negando sua relação com a prova.
Nesse sentido, corre-se o risco de simplificar o sentido e a função do
conhecimento, restringindo-o ao “exercício brutal do poder”. (p. 43). É preciso
trazer a retórica não como um dado em si, um discurso que diz a si mesmo e aos
outros. É preciso transformá-la, novamente, em objeto e instrumento da
história. Aproximá-la do “trabalho concreto
dos historiadores” (p.14, começo do texto).
Décimo Terceiro Ponto- Isso
coloca a questão dos documentos, novamente, em evidência no trabalho do
historiador. Sem as fontes, esvaziam-se os objetos e instrumentos da história.
Para encerrar, vaticina Ginzburg expondo sua convicção na nulidade do
relativismo absoluto diante da vida, da política e do conhecimento histórico: “as fontes não são nem janelas escancaras,
como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam os
céticos: no máximo poderíamos compará-las a espelhos deformantes. A análise da
distorção específica de qualquer fonte implica já um elemento construtivo. Mas a
construção (...) não é incompatível com a prova; a projeção do desejo, sem o
qual não há pesquisa, não é incompatível com os desmentidos infligidos pelo
princípio de realidade. O conhecimento (mesmo o conhecimento histórico) é
possível”. (p. 44-45)
GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
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