Pessoal, segue abaixo mais um texto, escrito pelo professo Jailson, com reflexões acerca da leitura da Introdução do Livro Arqueologia do Saber - Michel Foucault.
Abraços,
Carol.
A
arqueologia do saber: algo do plano da obra na sua introdução.
Foucault abre o texto relembrando que os
historiadores estão familiarizados com o trabalho que se dedica à explicação de
longos períodos, eras, idades. Para dar vida a essa tarefa, eles operam com
instrumentos e modelos que criaram ou receberam de outros saberes. Agem como se
desejassem atravessar os desencontros da história buscando encadear os fatos,
estabelecer sequências necessárias à inteligibilidade do tempo, da
historicidade das coisas. Para Foucault, no entanto, o campo da História estava
vivendo uma mutação que se insinuava na explosão de novas questões, cada mais
incontornáveis, no exercício da prática historiográfica. Essas questões
extrapolavam o antigo gesto de encadeamento (dos eventos, das séries, da
cronologia) que caracterizava o trabalho da História até então. Elas não
buscavam apenas promover a emersão de uma relação (entre eventos ou objetos,
por exemplo) definida a priori. Indo além, esse “novo tipo de racionalidade” preocupava-se
com o descontínuo, com a ruptura, com o desencaixe.
Dito
de outro modo, o historiador estava a libertar-se de sua obsessão pela
regressão, pela origem, pelas causas primeiras. Essa nova maneira de praticar a
arte de pensar/escrever a história exigia e provocava deslocamentos e
transformações nos conceitos. Por esse modo, Foucault questionava a validade
sacralizada dos conceitos. Para ele, “a
história de um conceito não é, de forma alguma, a de seu refinamento
progressivo, de sua racionalidade continuamente crescente, de seu gradiente de
abstração, mas a de seus diversos campos de constituição e de validade, a de
suas regras sucessivas de uso, a dos meios teóricos múltiplos em que foi
realizada e concluída sua elaboração (Arqueologia, p. 5). Foucault estava
indagando os historiadores acerca das condições de emersão de várias formas de
encadeamento dos eventos, dos processos (séries de séries) e, portanto, da
possibilidade de existência de passados múltiplos. Para avançar esse processo
de problematização dos conceitos, precisamos estar atentos a maneira como o
historiador lida com os documentos. Superamos o tempo no qual “o documento sempre era tratado como uma
linguagem de uma voz agora reduzida ao silêncio: seu rastro frágil, mas, por
sorte decifrável” (Arqueologia, p. 7). E continuando, “o documento não é o feliz instrumento de uma história que seria em si
mesma, e de pleno direito, memória; a história e, para uma dada sociedade, uma
certa maneira de dar status e elaboração à massa documental de que não se
separa”. (Arqueologia, p.8). Essa nova maneira de trabalhar o documento e
de pensar a história, a partir das
descontinuidades, segundo Foucault, trouxe quatro consequências:
1-
Apresenta novas formas de arrumação do
passado (fazendo emergir novas categorias como limiar, ruptura, corte, mutação,
transformação). Fazer história não é mais apenas encadear os acontecimentos; é,
antes, entender as relações que permitem a sua serialização; é perceber os
limites dessas séries.
2-
A noção de “descontinuidade” assume um
lugar de destaque na compreensão da história. O descontínuo, que antes era
visto como um dado impensável, passou a ser ponto de interesse da a história.
Isso ocupa o trabalho do historiador de três formas: (a) o historiador procura,
e não mais evita ou ignora, a descontinuidade; (b) o historiador incorpora o
descontínuo à sua descrição; (c) ele considera a descontinuidade um conceito
pertinente, e não um estorvo à lógica histórica.
3-
A escrita da história evanesce a
“história global” enquanto ilumina a “história geral”. Dito de outro modo,
abandona-se a ideia de um reconstituição do conjunto das civilizações, das
relações, das leis que explicam sua coesão (história global). Procura-se,
antes, determinar as formas de relações que podem ser, legitimamente, erigidas.
4-
A assunção da descontinuidade associa-se
aos problemas de ordem metodológica que desembocam na dificuldade de construção
de corpus de documentos. Afinal, como serializar aquilo que se refere ao
descontínuo?
Não
devemos, porem, pensar que esses problemas afligem apenas à história. Eles
podem ser encontrados em outros campos, como a linguística, a etnologia, a
economia, etc. O desafio é pensar o diferente, o singular, o descontínuo. Isso
é um desafio porque estamos acostumado a pensar a continuidade como requisito à
fundação do sujeito, pois ele se insinua na recorrência, na unidade, na
permanência. Ocorre que vemos a descentralização do sujeito, que se torna,
então, diverso. Marx, a psicanálise, a linguística são exemplos dessas
diversidades do sujeito.
Foucault
encerra a introdução alertando os riscos do trabalho com as descontinuidades.
Para ele, não se pode usar essas categorias “de maneira demasiado manifesta”,
sob pena de “assassinato da história”, usando, ideologicamente, o saber
histórico. Ele admite os riscos e desafios desse trabalho de pensar o
descontínuo, mas convida-nos a enfrentá-lo.
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